10.30.2008

Breve histórico do ensino de Língua Portuguesa do Brasil

Da época dos primeiros colonizadores até meados do século XVIII, a Língua Portuguesa não passava de um dialeto falado e escrito, principalmente, pela minoria de colonos, comerciantes e pelo clero que habitavam o Brasil. A grande maioria da população, sobretudo os índios, falavam uma diversidade de línguas que possuíam semelhanças umas com as outras, e que foram genericamente denominadas Tupi ou Língua Geral pelos jesuítas.

Com o processo de evangelização dos índios, realizado pelos jesuítas da Companhia de Jesus, essa Língua Geral foi gramatizada, isto é, ela passou a ter gramáticas e listas de vocabulário que permitiram seu registro escrito. Entretanto, este processo ocorreu de maneira verticalizada, com a participação passiva dos índios, e seguindo o modelo clássico de descrição do Latim. A visão eurocêntrica dos jesuítas foi que predominou nas descrições das línguas brasílicas a priori com o intuito de cristianizar os nativos a partir de suas próprias línguas.

Contudo, o status dos jesuítas foi crescendo entre os índios e a amplitude do poder político da Companhia de Jesus passou a preocupar a Coroa portuguesa; o domínio psico-sócio-cultural exercido pelos jesuítas sobre os índios era tanto, que alguns religiosos chegaram a pregar sermões contra o ensino da Língua Portuguesa entre os índios, conscientes, talvez, da influência preponderante da língua na construção do imaginário dos índios.

Em 1757, através do decreto chamado Diretório dos índios, o rei de Portugal, Marquês de Pombal, inicia um processo de expulsão dos jesuítas e de institucionalização da Língua Portuguesa como língua oficial do Brasil, destruindo línguas e culturas indígenas indiscriminadamente. O ensino do Português passou a ser feito autoritariamente por meio de compêndios gramaticais normativos que endemoninhavam tudo o que não fosse a norma culta falada e escrita em Portugal, estigmatizando todas as peculiaridades já gritantes do Português brasileiro e condicionando o imaginário coletivo dos brasileiros a dar crédito apenas à norma culta portuguesa em detrimento de todas as outras variedades lingüísticas existentes.

É engraçado como este imaginário perdura até os dias de hoje e é consagrado pela escola e pelas instituições que o reproduzem, como passou a acontecer a partir das reformas pombalinas.

Conclui-se, portanto, que a instituição da Língua Portuguesa como língua oficial do Brasil foi uma grande manobra político-ideológica para afirmar o poder autoritário de nossos colonizadores portugueses. A Língua Geral, gramatizada e amplamente difundida pelos jesuítas, não deixava de ser autoritária também, mas com a diferença de partir da descrição daquilo o que os índios falavam. Ao lado da Língua Geral estavam as diversas línguas africanas faladas pelos escravos e o próprio Português brasileiro, ainda incipiente, mas que já demonstrava suas peculiaridades naquela época.

O trecho a seguir, extraído do livro Colonização lingüística, de Bethania Mariani, ilustra com bastante propriedade o que vimos dizendo até aqui:

“Ora, a imposição de uma língua única e nacional resulta da tentativa de aprisionamento do português brasileiro nas grades modelizantes da língua imaginária. É essa abstração ‘língua portuguesa vinculada a uma memória de conquistas', que o século XIX majoritariamente nos lega, através das gramáticas e dicionários; dos diferentes tratados de unificação ortográfica e do ensino nas escolas. Ainda no século XIX, apesar das manifestações de independência, ao brasileiro ainda corresponde imaginariamente, pelo menos para aqueles que são filiados à memória portuguesa, um povo bárbaro e rústico das províncias que precisa continuar sendo conquistado e permanecer aprendendo a falar e a escrever corretamente o idioma nacional de Portugal”. (MARIANI, 2004, pp.172-173)

As ciências lingüísticas ainda são uma grande novidade no Brasil. Os grandes centros brasileiros de pesquisa lingüística ainda se concentram mais no trabalho de pesquisa de seu objeto que propriamente na disseminação do ensino da Lingüística nas escolas e nos cursos de idiomas. Por isso, o formato do ensino de língua portuguesa, línguas estrangeiras e literatura permanece baseado num modelo conservador de filologia estruturalista, cujas descrições mostram a língua como um sistema lógico e autônomo do qual o falante não faz parte, ou seja, a língua existe sem a participação do falante e deve ser ensinada e aprendida a partir de textos escritos principalmente por grandes nomes da Literatura, do Jornalismo etc.

Entretanto, com o aprofundamento dos estudos lingüísticos no a partir dos anos 1970, foi possível apontar outros caminhos para o ensino de língua, e hoje já podemos observar escolas e professores preocupados em apresentar aos seus alunos uma língua mais próxima da realidade social em que vivemos; uma língua viva que pode funcionar como instrumento de agregação ou segregação, possuindo vários estratos que vão do mais rústico ao mais sofisticado registro, mas que têm todas algo em comum: o falante como centro de suas atenções e os objetivos de comunicar, persuadir e sensibilizar

Em comparação com a Europa, o Brasil não possui em seu histórico uma tradição de leitura e escrita satisfatória. Em meados dos anos 1950, quando o rádio e a televisão começavam a desembarcar por aqui, havia uma mínima parcela da população alfabetizada e começava (devido em grande parte as políticas de ensino e da qualidade extraordinária dos escritores daquela época) a se constituir um público leitor mais amplo. Com a chegada dos instrumentos difusores de comunicação à distância, o livro foi colocado num segundo plano, junto com o sonho de constituir um amplo público-leitor com uma visão crítica e reflexiva sobre os rumos da nação. A difusão iconográfica e imagética oferecida primeiramente pela televisão e, mais atualmente, pela informática, seduziu em grande escala os brasileiros devido à facilidade de leitura, e isso já vem se refletindo no nosso idioma que em seus estratos mais informais reproduz sentenças estritamente funcionais e sem a preocupação estética da gramática normativa que ainda é majoritariamente ensinada nas escolas. Cria-se, a partir desse fenômeno, uma situação que em Sociolingüística chamamos diglossia, em que a língua ensinada nas escolas se mostra muito diferente da língua ouvida e falada no cotidiano real, o que tende a desestimular o estudante que não se reconhece (como um estrangeiro) através do significado e da importância de sua própria língua.