2.10.2009

O ensino da Língua Portuguesa do Brasil

Este ensaio tem como objetivo apresentar formas possíveis e coerentes de conduzir o ensino escolar de língua portuguesa do Brasil nos níveis fundamental II e médio, visando oferecer ao educando uma formação linguística reflexiva e crítica; compatível com a realidade social, cultural e política na qual o mesmo está inserido.

A língua portuguesa que falamos e escrevemos hoje é resultado de um longo e complexo processo histórico que envolve povos oriundos das mais diversificadas regiões do mundo. Por isso, possuir uma dimensão histórica, social e cultural do nosso idioma é incomparavelmente mais importante para o educando que obter apenas sua instrumentalização através do ensino de gramática ou de qualquer outro sistema metalinguístico afim.

É complicado continuar confundindo o educando com o ensino de regras linguísticas artificiais ou usos arcaizantes e regionalismos descontextualizados. Desse modo, é fundamental que o aluno conheça, por exemplo, a conjugação do verbo ser na segunda pessoa do plural do tempo presente do modo indicativo: vós sois. Mas, é imprescindível que ele saiba que esta forma não é utilizada no português falado do Brasil há muito tempo, restringindo-se, atualmente, à escrita; mais particularmente a textos antigos e discursos especializados como o literário, religioso e o jurídico, como ilustra o verso do poeta brasileiro Tomás Antônio Gonzaga, do final do século XVIII, que transcrevo a seguir:

“Porventura, vós sois melhores do que foi Achiles?”

Ou como no discurso bíblico:

"...porque um só é o Vosso mestre a saber, o Cristo, e todos vós sois irmãos." (Mat. 23:8)

Para a segunda pessoa do plural do presente do indicativo, a norma lingüística do português brasileiro tem admitido a forma vocês são, vastamente utilizada na fala e na escrita contemporâneas, como demonstra o exemplo a seguir, retirado de uma revista impressa brasileira de grande circulação:

“ÉPOCA - Vocês e Richard Dawkins são amigos? (Época, 09/05/2008, edição 520)

O pronome da segunda pessoa do singular tu, também deve ser estudado com muito cuidado, visto que pode ser substituído, em diversos contextos, pelo pronome da terceira pessoa do singular você. Por isso, não faz sentido apresentar ao educando todas as imensas tabelas de conjugação verbal com os pronomes eu, tu, ele, nós, vós, eles como um paradigma de conjugação verbal atual. Esse modelo faz parte da história do nosso idioma e assim deve ser estudado. O modelo de conjugação verbal do português contemporâneo tem se demonstrado bastante uniforme devido à predominância das formas em terceira pessoa tanto do singular quanto do plural (formas não-marcadas), que é uma maneira de o usuário da língua economizar ou simplificar o discurso, em geral, com o objetivo de se tornar mais claro e conciso. Assim, temos que a conjugação do verbo ser no presente indicativo ocorre da seguinte maneira:

Eu sou
Você é
Ele é
Nós somos
Vocês são
Eles são

Na língua falada, a conjugação de verbos regulares pode ser ainda mais uniformizada. Como podemos observar a partir da conjugação do verbo amar:

Eu amo
Você ama
Ele ama
A gente ama
Vocês amam
Eles amam

O estudo da história da língua é essencial para que se façam essas distinções, assim como o estudo dos mais diversos gêneros discursivos. O grande problema do ensino de língua portuguesa em nossas escolas advém, justamente, da negação dessas duas premissas.
O tecnicismo que ensina os educandos a identificarem substantivos, pronomes, ditongos, tritongos, sujeitos, objetos, orações coordenadas e subordinadas não é suficiente para que o estudante perceba a real significação da língua portuguesa nos aspectos político e social da cultura brasileira.

Não podemos desconsiderar a importância do ensino de gramática nas escolas, mas precisamos aprender a distinguir que tipo de gramática ensinar, assim como aprender a distinguir uma forma errada -- do ponto de vista gramatical -- de uma forma sócio-culturalmente estigmatizada. São coisas completamente diferentes, como veremos a seguir.

Entende-se por gramática normativa / prescritiva aquela que impõe regras gramaticais que devem ser seguidas, baseada em exemplos de literatura ou do jornalismo canônicos. Sendo assim, o aluno que escrever, por exemplo, "Me deu vontade de reclamar" (ao invés de "Deu-me vontade de reclamar") ou então "A professora pediu pra mim ficar quieto" (ao invés de "A professora pediu para eu ficar quieto"), este aluno será automaticamente condenado por ter escrito em desacordo com a gramática normativa. Isto quer dizer que esse tipo de gramática elege uma maneira exclusiva de se ler, falar e escrever, considerando todas as outras maneiras erradas.

A gramática descritiva, ao contrário, apresenta a língua tal como ela é produzida pelo falante. Trata-se, como o próprio nome mostra, de uma descrição da língua. Por isso, esse tipo de análise é considerado mais científico e tolerante que a normativo-prescritiva, visto que não impõe nem condena o modo como o aluno fala ou escreve desde que ele se mostre inteligível do ponto de vista funcional. Não existirá, pois, certo ou errado aos olhos da gramática descritiva desde que o conteúdo comunicado seja efetivamente compreendido por seus interlocutores. Poder-se-á, portanto, escrever "escrito" ou "escrevido"; "para eu fazer" ou "para mim fazer"; "dois pastéis" ou "dois pastel" sem o temor de estar cometendo um erro, afinal, ambas as formas são claramente compreendidas por qualquer falante nativo do português que as ouve ou lê.

Falar ou escrever errado é se fazer não-compreensível (ou incompreensível, como queiram) do ponto de vista funcional. É sentir sede e dizer ao seu interlocutor “copo um por dá d’água favor me” (ao invés de “me dá um copo d’água, por favor”). A ininteligibilidade dessa frase, sim, pode ser considerada um erro porque não comunica nada àquele que a está ouvindo ou lendo.

Portanto, aceitar a premissa de que escrever certo é escrever "bonito" pode incutir vários traumas e bloqueios na cabeça do educando, podendo comprometer, assim, toda a sua trajetória escolar. Os valores defendidos pelos puristas que pregam a norma culta ou padrão da língua portuguesa como único caminho a ser trilhado, e que negam todos os outros caminhos, podem ser considerados pobres, opressivos/repressivos e reacionários, pois negam a diversidade que é o fator enriquecedor das línguas de todo o mundo e em todos os tempos.


Vários gêneros, várias maneiras de se encarar a realidade...

É importante que se trabalhe com uma ampla gama de gêneros discursivos em sala de aula. Desde os manuais de instrução até os romances literários. O que não se pode perder de vista é a relação contextual imediata que esses gêneros devem estabelecer com o educando. É interessante que se parta da realidade que o circunda para atraí-lo ao campo de compreensão, de produção e de memorização textual.

A criação de um jornal entre os alunos, que dê conta do cotidiano escolar e possa ser distribuído para toda a comunidade escolar, parece ser uma atividade interessante. Nele poder-se-á escrever artigos sobre moda e comportamento dos alunos; discutir questões interpessoais como a relação pais / alunos, pais / professores, alunos / professores etc; entrevistas; organizar uma agenda de eventos como seminários, peças teatrais, apresentações musicais, excursões etc; desenvolver trabalhos artísticos e de entretenimento; abrir espaços para que a direção e o corpo docente possam se comunicar com os estudantes além de espaços para a reivindicação de melhoras na infra e na super-estrutura escolar.

Do ponto de vista linguístico-pedagógico, trabalhar com a questão da busca do efeito de objetividade do texto jornalístico e com a importância da clareza e da concisão da escrita que contribuirá para que a informação seja facilmente decodificada por seus leitores. Este gênero é um ótimo caminho para se compreender os usos da norma culta escrita do português brasileiro e para discutir a importância sociopolítica e cultural da comunicação jornalística na escola, na cidade, no país e no mundo.

INACABADO